domingo, 23 de outubro de 2011

A Poesia de Manuel Bandeira: uma leitura crítica de "Poética", "Vou-me embora pra Pasárgada" e "Poema tirado de uma notícia de jornal".

De acordo com Alfredo Bosi, Manuel Bandeira, que fora considerado um dia “poeta menor”, foi um dos melhores poetas de verso livre em português. Podemos verificar tal característica, por exemplo, em Poética que consta na antologia de “Libertinagem”:

Estou farto do lirismo comedido

Do lirismo bem comportado

Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr.diretor

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo

Abaixo aos puristas

Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais

Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção

Todos os ritmos sobretudo os inúmeráveis

Estou farto do lirismo namorador

Político

Raquítico

Sifilítico

De todo o lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo

Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres,etc.

Quero antes o lirismo dos loucos

O lirismo dos bêbados

O lirismo difícil e pungente dos bêbados

O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

A disposição das palavras no poema é feita de forma livre, ou seja, sem preocupação com a pontuação.

O crítico, porém, faz uma ressalva e atenta o fato de mesmo que sua poesia tenha um caráter “libertário”, Manuel Bandeira não estava imune do “prestígio das velhas poéticas”, o que quer dizer que em sua obra, algumas vezes, nota-se resquícios da Literaturas do século XIX e neoclássica.

Podemos verificar isto no poema “Vou-me embora pra Pasárgada”, onde há um “eu” lírico angustiado, conturbado, com tendências à evasão no espaço e o escapismo, recorrentes do espírito romântico e uma métrica impecável, conforme os padrões neoclassicistas, com versos em redondilha maior:

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada

Aqui eu não sou feliz

Lá a existência é uma aventura

De tal modo inconseqüente

Que Joana a Louca de Espanha

Rainha e falsa demente

Vem a ser contraparente

Da nora que nunca tive

E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

— Lá sou amigo do rei —

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada.

Já neste poema, verificamos o tom prosaico, com fortes tendências surrealistas, versos livres e brancos (mantendo o que Bosi chama de “homologia entre sentimento e ritmo”) que corporifica a liberdade “vital” e “estética”, apontada pelo crítico também:

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro

Bebeu

Cantou

Dançou

Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

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